Jogo de Posição, e jogo de possessão: entenda a diferença entre eles

A história do Futebol



Os conceitos do Jogo de Posição são bem amplos, e por vezes, confundidos com os do jogo de possessão, ou mesmo o "Jogo bonito", um conceito social, que varia muito para cada amante do bom futebol. O “guardiolismo” ganhou o cenário, inclusive da mídia, no Brasil e no Mundo. Guardiola utiliza o Jogo de Posição, e por vezes, qualquer ataque posicional organizado é confundido com o JdP. O futebol de Guardiola é bonito, mas nem todo futebol bonito é Jogo de Posição. Para entender melhor o Jogo de Posição e suas adjacências, é preciso conhecer um pouco da evolução tática do futebol europeu, e como ela influenciou os demais continentes ao redor dos anos.

Desde o começo do processo de consolidação do futebol, o jogo ganhou um conceito de quatro fases: a defesa posicional, o ataque posicional a transição defensiva, e a transição ofensiva. No ataque posicional, os jogadores de um time se posicionam para atacar o rival, algo que já era feito antes mesmo do surgimento das novas regras do impedimento do futebol, realizadas na década de 1920. O WM ficou conhecido como o primeiro sistema tático do futebol, e surgiu com a necessidade de atacar em um campo que ficava com comprimento diferente do que era antes. Era necessário organizar funções e posições, para cobrir este campo. O treinador inglês Herbert Chapman, ainda no time do Northampton Town, foi o primeiro a trabalhar o jogo associativo, onde os jogadores precisavam interagir para progredir em campo, e não simplesmente lançar e correr com a bola. O futebol ficava mais distante do Rugby e suas variações, e ganhava cada vez mais identidade própria. Chapman treinou depois o Arsenal, na mesma época em que os jogadores passaram a ser colocados em posições delimitadas no futebol inglês.


O Jogo de Posse de Bola


O jogo de posse de bola havia surgido ainda no século XIX, na Escócia, e de lá foi levado para o leste da Europa, onde se desenvolveu em países como a Hungria, e a Áustria e na Suíça. Os passes curtos, viraram um símbolo da seleção da Áustria dos anos 30, o “Wunderteam”. Os jogadores eram dispostos com funções em campo. O craque do time, Sindelar, era um “falso 9”, por exemplo. Os jogadores não tinham de estar em uma posição, mas tinham liberdade para circular em campo. Era importante chegar, não estar.

Já ali, jogadores trocavam posições, mas as trocas eram mais horizontais, do que verticais. Rinus Michels, no “carrossel holandês”, arrumava a sua equipe em um 1-3-3-3, variação do 4-3-3, que tinha um zagueiro avançando como líbero. Os jogadores também trocavam de posição verticalmente, e como Cruyff, que era o "Falso 9", baixava na base da jogada, havia um vazio no centro de ataque, que era ocupado, por alguém que infiltrava do meio, ou um dos extremos. Com o extremo centralizando, o lateral podia avançar, ou Cruyff podia cair pela ponta. Haviam três jogadores pela esquerda, Krol, Henegen e Rensenbrink, três na direita, e três no centro, Suurbier, Jansen e Rep. Cruyff era o homem com liberdade. Ou seja, o sistema era simétrico, com um espaço e um homem livre, e a partir dali, havia as mudanças de posicionamento.


A Hungria de 1954, e a influência dela no que veio depois



A International Board foi evoluindo as regras do futebol, e as táticas eram obrigadas a ir mudando. Num mundo ainda não tão globalizado, as Copas do Mundo eram quando os olhos do planeta se voltavam para o mesmo lugar. E ali, as evoluções ficavam marcadas.

O primeiro caso claro disto, se deu na Copa de 1954. A Hungria, com a base do Honved, time de um clube que encantava o planeta com seu futebol, aproveitou estes fatores para ser ainda mais forte. Na prática, a Hungria pegou o tradicional WM, e o transformou em um WW. O técnico Gusztav Sebes recuou o centroavante Hidegkuti para buscar o jogo, passando a atuar com três zagueiros, dois volantes, dois meias e três atacantes, mas um deles era quase um falso 9. Os outros dois, Puskas e Kocsis eram quase ponteiros, mas também com chegada na área para conclusão. Sem a bola, a Hungria introduziu ainda uma novidade: o recuo de um dos volantes para o sistema defensivo, formando uma linha de quatro defensores. Surgia assim o 4-2-4, que daria origem ao 4-3-3 e ao 4-4-2, estes com suas variantes e camadas. Sebes também mandava seus jogadores mudarem muito de posição, abrindo espaços, e dando início à uma nova era no esporte.

O Futebol húngaro em muito influenciou o futebol sul-americano, em especial o brasileiro e o argentino. Nos anos de 1940, a "La Máquina", do River Plate, atacava em 2-3-5, mas se defendia já em 4-3-3. Se dizia que o sistema era só 2-3-5, pois o time muito mais atacava do que defendia. Em 1958, o quarto zagueiro já existia, e o 4-2-4, criado aqui no Brasil, era uma realidade. No Brasil de 1958, campeão do Mundo, o ponta-esquerda Zagallo, recuava para o meio, virando uma espécie de interior, e variando o esquema para o 4-3-3. Se em 1958 Zagallo foi um ponta de recuo, em 1962 ele foi um interior mesmo, deixando a ponta, por vezes, para Amarildo. O recuo de Zagallo ajudou a reforçar movimentações na Europa. Passaram-se a recuar os dois pontas para o meio, formando um losango, ou uma segunda linha de quatro.


Se o losango e a marcação por zona ficaram como filhas do Soviético Viktor Mazlov, que passou a os empregar após a Copa do Mundo de 1958, o 4-4-2 passou a ser muito utilizado na Inglaterra, com um jogo intenso, direto, e de busca pela segunda bola. Se o Brasil foi campeão em 1970, com um dito 4-2-4, que era na verdade um 4-2-3-1, com Pelé como ponta-de-lança, desfilando como um verdadeiro Deus do futebol, as evoluções seguiriam. Aquela Seleção brasileira de Zagallo não tinha centroavante fixo, e nem ponteiros dando amplitude. Os laterais Carlos Alberto e Everaldo é que davam largura ao campo, e Gerson e Clodoaldo eram os volantes/meias, enquanto Pelé hora era flecha, hora era arco, atuando por trás de Jairzinho, Tostão e Rivelino. Num futebol mais dividido e cadenciado, cabia ao rei ver as movimentações dos companheiros, e enxergar um buraco para passar a bola e se lançar. O futebol na prática é dos craques, e treinadores inovam para os potencializar. Este Brasil de 1970, mostrava bem isso.

Na prática, no começo, não haviam linhas de marcação, pois as defesas eram mais de perseguições e encaixes, e menos posicionais. Para haver linhas de marcação, há de se ter defesa posicional "estática". Assim, o 4-3-3, por exemplo, nada mais é do que uma variação defensiva do 2-3-5 ofensivo, e o 4-1-4-1 defensivo, é uma variação do 4-3-3. O 5-4-1, é uma variação do WM, com recuo dos alas, e o 4-4-2 é uma variação do 4-2-4, com recuo de extremos. As combinações vão se adaptando ao seu tempo, e treinadores vão se adaptando aos seus atletas.

O jogo de Posição e o ataque posicional




No Jogo de Posição, a bola vai às posições, e não os jogadores vão até a bola. Ou seja, os jogadores atuam dentro de uma determinada localização em campo, e lá esperam a bola chegar. Os apoios existem, mas são entre posições. As bases do jogo de Posição estão no “Futebol Total” de Rinus Michels, e Johan Cruyff.

O futebol foi levado à Holanda pelos ingleses, e o próprio Ajax, maior clube do país, tem forte influência britânica. O inglês Jack Reynolds, comandou o clube entre 1915 e 1947, e era um seguidor da filosofia de Champanhe. Na sequência, Vic Buckingham assumiu o clube de Amsterdam, implantando um futebol possessivo, que era praticado desde as categorias de base. Mais tarde, em 1965, Rinus Michels assumiu o comando do Ajax, na mesma época em que o conceito do funcionamento orgânico tomava Amsterdam. A cidade era absolutamente planejada. Cada ponto dela era feito para o seu bom funcionamento, e dos outros. Estava ali a base do "Futebol Total". Os jogadores teriam em campo menos liberdade de ação, para que o coletivo funcionasse melhor.

Michels passou para Cruyff o conceito de futebol orgânico, e com ele o controle do espaço, a base do futebol total. O futebol não era ali vencido pelo controle das ações e do tempo. Eles eram as ferramentas para controlar o espaço, e a partir daí buscar o objetivo final, que é a vitória. Os movimentos em campo eram sistêmicos, o que levou à criação de um novo tipo de jogo, elaborado por Cruyff no Ajax, e evoluído posteriormente por seu desafeto Louis van Gaal, seu sucessor no clube: O “Jogo de Posição”. Foi elaborado o conceito do “terceiro homem”, a segunda linha de passe, o homem livre por trás da linha defensiva, da marcação rival. Cruyff passou a usar no Ajax o sistema 3-4–3, com um losango no meio. Assim como a Argentina de 1986, usava o sistema com três zagueiros para marcar dois atacantes, já que a maioria dos times no planeta jogava em 4-4-2/4-2-2-2 nesta época. Na prática, no ataque com Jogo de Posição, os jogadores se movimentam em função do espaço, enquanto no ataque "tradicional", móvel, a movimentação dos jogadores se dá mais em função da bola. Também é possível, fazer um ataque com características entre o jogo posicional e móvel.

Posteriormente, Cruyff assumiu o comando do Barcelona, e por lá foi campeão europeu em 1992, usando um 3-4-3, onde fazia a busca pelo controle do espaço, e da progressão orgânica em campo, pensando em evoluir sempre em vantagem, e não com ações. Em 1995, Louis van Gaal foi campeão europeu com o Ajax, usando um Jogo de Posição extremamente rígido. Posteriormente, LvG assumiu o comando do Barcelona, e por lá conquistou alguns títulos nacionais, mas não conseguiu a Champions League. Ele entrou em atrito com craques, como Riquelme e Rivaldo, que era mediapuntas originais, mas não se mostravam dispostos a ficar presos na extrema, ou recuar para a função de mediocentro. Posteriormente, Frank Rijkaard e Pep Guardiola evoluíram os conceitos do Jogo de Posição no Barcelona. Se Rijkaard era um pouco mais rígido, Guardiola foi cada fez mais ficando flexível, e misturando conceitos do Jogo de Posição com elementos tradicionais de mestres como Arrigo Sacchi, Marcelo Bielsa, e Ricardo Lavolpe.





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